Nossa consultora Lêda Spelta, uma mulher sem limites
Nas comemorações do Mês da Mulher no SESC/RJ, em março de 2003, ela
estava entre as “mulheres sem limites”, exemplos de superação de adversidades.
Lêda Spelta, deficiente visual, consultora da Acessibilidade Brasil na área de
informática, é uma pessoa simpática, inteligente, entusiasmada pelo trabalho e
interessada em um bom papo. Nessa entrevista, vamos conhecer mais a seu
respeito e saber de que forma ela superou a barreira da cegueira.
Lêda nasceu com resíduo visual baixíssimo, devido a uma retinose pigmentar
(no seu caso, a degeneração da retina central). Via tudo embaçado, sem cores,
mais ou menos como uma pessoa de visão normal vê um objeto colocado bem de
lado, no extremo do campo visual. Para seus pais e avós foi um choque - era a
primeira filha e neta. Mas depois que saber, com vários especialistas, da
impossibilidade de sua cura, souberam transformar o impacto em ação.
“Tentando suprir a falta da visão”, ela conta, “deram-me a melhor educação que
podiam. Meu pai, antes de comprar uma geladeira, comprou uma vitrola, para que
eu ouvisse discos de história. Colocavam na minha mão todos os objetos, plantas
e animais possíveis.
Eu sabia onde estavam as coisas, me vestia, tomava banho, brincava, corria,
caía, desobedecia. Só tinha a noção intelectual da cor, porém sempre me
interessei em saber as cores das minhas roupas e dos objetos da casa. Não
gostava de ser diferente, mas isso me afetava de modo mais subjetivo que
objetivo.”
Valeu a pena
Hoje, a menina que praticamente nasceu cega, tem um longo e importante
currículo profissional. Analista de sistemas, é funcionária da Dataprev há 12
anos e atua como o Membro da Comissão Brasileira do Braille responsável pela
área de informática.
Na Acessibilidade Brasil, desempenha uma atividade pioneira: avalia o nível de
acessibilidade dos sites e ajuda a criar padrões e procedimentos para a
construção de sites acessíveis. Além do trabalho na área de informática, Lêda é
psicóloga. Dedica-se ao trabalho em Terapia Regressiva e à Terapia
Craniossacral.
Casada há 11 anos, cidadã ativa, dona de casa e profissional reconhecida,
admite não gostar do trabalho doméstico. Garante, no entanto, que muitas
mulheres cegas cozinham, lavam, passam, cuidam dos filhos e sabem fazer muito
bem essas coisas. E dá dicas importantes, vindas da própria experiência:
“Varrer a casa descalça torna possível sentir a poeira, assim como as rugas dos
tecidos podem ser sentidas pelo tato. Manejar o ferro é uma questão de prática.
Na cozinha, medimos as quantidades e usamos o tempo, o barulho e o cheiro.”
Acha importante frisar, no entanto, que tudo isso depende da habilidade, da
necessidade e dos recursos de cada pessoa: “Atualmente existem muitos aparelhos
que podem ajudar um deficiente visual, principalmente se ele tem
disponibilidade financeira. Há relógios, calculadoras, agendas e termômetros
que falam. Um aparelhinho que indica se a luz está acesa. E podem ser feitas
algumas adaptações, como marcar o painel do microondas.”
Informática e deficiência visual
Leda frisa que esta área, que conhece tão bem, tem condições de ajudar à pessoa
com deficiência visual. “Além do equipamento básico, ela precisa de um programa
chamado leitor de tela, que não só substitui o mouse como identifica os textos
existentes na tela e os transmite para um Braille, ou para um sintetizador de
voz. Com estes recursos, é possível o uso do computador para o trabalho, o
lazer e a informação.
Mas isso não resolve tudo. Se, por exemplo, um botão de enviar ou de cancelar
ou de limpar tudo é apresentado como uma imagem, sem nenhum texto explicativo,
o programa leitor de tela não tem como interpretar essa imagem e o deficiente
visual fica sem saber o que vai acontecer, caso acione aquele botão.”
A luta pela acessibilidade
O trânsito do deficiente visual pelos sites da Web pode ser muito facilitado
pela acessibilidade que oferecerem. Nos últimos anos, países como os da
Comunidade Européia e os EUA têm conseguido dar alguns passos importantes, em
termos de legislação e conscientização das pessoas, na direção da acessibilidade.
“No Brasil, porém, ainda precisamos trabalhar muito nesse sentido”, observa a
consultora da Acessibilidade Brasil.
Ela continua: “Scanners podem usados para captar, por exemplo, a imagem da
página de um livro, que é enviada para um programa chamado OCR, capaz de
reconhecer o texto ali contido e disponibilizá-lo em um arquivo acessível.
Impressoras Braille, ligadas a computadores, tornam a impressão mais rápida e
com melhor qualidade. Os sintetizadores de voz estão se aproximando, cada vez mais,
do padrão da voz humana. E existem vários modelos de equipamentos que
apresentam, em Braille, o texto que está sendo exibido na tela do computador.”
Leda acrescenta, no entanto, que tudo isso é muito caro e precisa ser
constantemente atualizado. Um exemplo? Os displays Braille. “São tão caros no
Brasil que é dificílimo conseguir um técnico que saiba fazer sua manutenção.”
Ela sonha com o dia em que possamos ter aqui um programa governamental de
financiamento de equipamentos e softwares especiais para deficientes visuais. E
garante: “Não se trata de utopia, pois em Portugal isso já existe. Além disso,
os impostos gerados por uma pessoa economicamente produtiva superariam, de
longe, o investimento.”
Depoimento a Zilda Ferreira/Acessibilidade Brasil